Thiago Kailer
A aquisição de créditos não performados (NPL) por Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios e também por Securitizadoras de Créditos, é uma atividade conhecida do mercado de distressed investing. Esse mercado conta com investimentos de alto risco e alta rentabilidade, por esse motivo é operacionalizado por investidores profissionais.
No agronegócio, o crédito rural não performado, ou seja, em atraso com execução judicial ajuizada, conta com características muito atrativas para esse mercado, seja pelo valor do crédito em si a ser recuperado, que na maioria das vezes é relevante perante outros créditos disponíveis no mercado, seja pela garantia que acompanha o crédito, que na maioria das vezes se trata de hipoteca de imóveis ruais, que trazem segurança em relação a estrutura jurídica, liquidez e preço frente a recuperação da totalidade do crédito.
O que não é novidade e está se tornando uma prática cada vez mais usual, são produtores rurais, pessoas físicas ou jurídicas, que utilizam da compra de ativos não performados com garantias hipotecárias de imóveis rurais, justamente com a finalidade de adquirirem o bem por meio de adjudicação ou arrematação, utilizando os próprios créditos adquiridos, ou com uma composição com o próprio devedor proprietário do imóvel através da dação em pagamento. Ainda em casos que existem concorrência de credores, a estruturação de outras dívidas a fim de desafetar o bem em questão, além inclusive da possibilidade da assunção de dívidas com prazo para pagamento.
Os investidores com esse perfil, tem conhecimento que a compra de créditos não performados (NPL) é uma tarefa complexa em toda a sua cadeia, desde a originação, precificação e a estruturação das dívidas. Esses produtores rurais investidores, se valem da contratação de escritórios de advocacia especializados, na grande maioria das vezes prestadores de serviços de Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios, ou mesmo em parceria com as próprias gestoras desses Fundos, já que possuem muito acesso na originação dos negócios e possuem expertise para a realização.
Esse movimento é visto por parte do mercado como uma oportunidade estruturada de investimento, e por outra parte do mercado como um meio de encurralar o devedor para perda de sua propriedade. Este movimento que critica a aquisição de propriedade como uma oportunidade sorrateira de prejudicar o produtor rural endividado, deixa de levar em consideração toda a cadeia do mercado, e carece de uma análise mais profunda do agronegócio.
Na prática, o que se vê com a estruturação desse tipo de negócio, uma ferramenta que traz inúmeras vantagens ao mercado. Para os bancos que realizam a cessão do crédito, é uma maneira de recuperar o valor emprestado com menos tempo e menor custos. O core business de um banco está nos seus negócios e não nos ativos não performados, o que faz dele uma empresa que carece de estrutura e de expertise para isso. Com a cessão desse crédito, resulta em dinheiro em caixa que possibilita refinanciamento de outros clientes, além do benefício fiscal que melhoram a performance do banco.
Uma demonstração de ausência de resultados na recuperação de crédito pelos bancos são as inúmeras decisões de prescrição intercorrente por má gestão do ativo quando executado.
Não menos importante, há ainda o Acordo de Basileia, que determina que os bancos devem manter um percentual mínimo de 11% de patrimônio em relação a totalidade de seus empréstimos, é importante para os bancos darem espaços para créditos que tragam resultados financeiros, ao invés de ativos não performados que lhe causam despesas com incertezas na sua recuperação.
Já para o Produtor Rural, é uma maneira de aquisição de propriedade dentro de preços que condizem com a sua capacidade de caixa e fluxo de pagamento. Em razão da precificação das áreas rurais pelo preço da soja, e da alta dos preços praticados nos últimos anos, o produtor rural se viu em dificuldade de aumentar a sua capacidade produtiva com aquisição de novas áreas. Essa modalidade de aquisição através de estruturações de dívidas torna o preço e o fluxo de aquisição atrativos para o mercado.
Inclusive cabe destacar que a maioria das estruturações de aquisições nessa modalidade, tem a participação do próprio devedor das operações de crédito. Dentro dessa modalidade, o devedor consegue liquidar a sua dívida com deságio, e na maioria das vezes se capitalizar com um ágio pago pelo comprador entre a diferença da dívida paga e o preço ajustado entre as partes pela propriedade.
Vale esclarecer que a maior parte dos devedores que chegam nessa situação são na maioria das vezes sucessores ou proprietários que não estão mais na produção agropecuária, mas que optaram pelo arrendamento da área.
Para aquele produtor que realmente teve uma quebra de safra ou está com dificuldade no pagamento das suas dívidas, existem no mercado soluções como seguro safra, alongamento da dívida, a própria renegociação com os bancos e até mesmo Fundos de Investimentos que estão operando nesse mercado.
O movimento de restruturação de dívidas pelas várias modalidades de financiamento das empresas em crise, neste caso no agronegócio, traz para o mercado uma função social àqueles ativos que estavam a margem da sua capacidade produtiva, circulação de riquezas, redução do volume de ações judiciais, neste caso execuções, que representam a maioria das ações em trâmite no judiciário brasileiro, e ainda, possibilitam aos bancos melhoria e aumento na sua capacidade de financiamento.
Cabe ainda uma maior clareza da cessão de créditos não performados pelo Poder Judiciário, que muitas vezes demonstra insegurança no prosseguimento da execução pelo credor que adquiriu o crédito e na homologação de acordos que tem por trás uma estruturação de negócio.
Nesse sentido as alterações da Lei de Recuperação Judicial e Falência (LRF), somado a demanda dos operadores do direito a respeito da matéria, tem trazido mais clareza e segurança no mercado para que ocorram mais estruturações dessa modalidade no agronegócio.