Carlos Alberto de Pauli Filho

  1. Contrato de Câmbio

Em dezembro de 2022 entrou em vigor no ordenamento brasileiro a Lei 14.286/2021 (Nova Lei Cambial), que alterou significativamente as diretrizes do câmbio no Brasil previstas anteriormente na Lei 4728/1965, que também disciplina o mercado de capitais.

Dentre as alterações mais relevantes, destaca-se a extinção do Contrato de Câmbio, modalidade contratual utilizada amplamente no mercado financeiro que visava a compra e venda de moeda estrangeira. Em razão da instabilidade das taxas cambiais, o Contrato de Câmbio era uma forma mais pragmática e segura que protegia as operações internacionais, pois, contratualmente as partes poderiam especificar a taxa de câmbio utilizada, o montante de moeda e a data de execução da transação.

Em que pese a entrada em vigor da Lei 14.286/2021 tenha extinguido o Contrato de Câmbio, a nova norma não alterou os requisitos para cobrança judicial dos títulos emitidos até 2022, os quais ainda seguem as condições da Lei 4728/1965.

Nesse sentido, em razão das milhares Ações de Execução de Título Extrajudicial em trâmite no Poder Judiciário, é necessário compreender, sob a ótica do Credor e do Devedor, quais são os requisitos básicos para que os Contratos de Câmbio emitidos até 2022 possam ser executados.

  1. Requisito Principal e Indispensável: Protesto

Para que o Contrato de Câmbio seja constituído como um título executivo, a Lei 4728/1965 prevê em seu artigo 75 que é indispensável o devido protesto do instrumento no oficial competente:

LEI Nº 4.728, DE 14 DE JULHO DE 1965 – Lei do Mercado de Capitais

Art. 75. O contrato de câmbio, desde que protestado por oficial competente para o protesto de títulos, constitui instrumento bastante para requerer a ação executiva.

Ou seja, o protesto do Contrato de Câmbio trata-se de requisito de formação do título executivo, de modo que a medida deve ser promovida pelo Credor antes do ajuizamento da Ação de Execução.

A ausência do protesto regular do Contrato de Câmbio retira do título os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade impedindo o ajuizamento da Ação de Execução, ou, nos casos de Ação já em trâmite, a sua extinção.

A aplicabilidade do art. 75 da Lei 4728/1965 foi sedimentada de forma pacífica pelo Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CONTRATO DE CÂMBIO. FIANÇA. PROTESTO DO TÍTULO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO MOVIDA CONTRA OS FIADORES. RECURSO PROVIDO.

  1. A cobrança de contrato de câmbio realizada, mediante execução de título executivo extrajudicial, tem como condição de procedibilidade o protesto desse título, nos termos do art. 75 da Lei 4.728/65.2. Recurso especial provido. ( REsp n. 436.930/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 11/12/2012, DJe de 23/4/2013.)

PROCESSO CIVIL. CONTRATO DE CÂMBIO. CAUTELAR. SUSTAÇÃO DO PROTESTO. AUSÊNCIA DE FORÇA EXECUTIVA. 1- O protesto do contrato de câmbio é condição indispensável à propositura da execução. Precedentes.2- Agravo desprovido.( AgRg no REsp n. 835.339/RS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 16/11/2010, DJe de 1/12/2010.)

O entendimento do STJ é acompanhado pelos Tribunais de Justiça do País:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. INSURGÊNCIA DA PARTE EXEQUENTE. CONTRATO DE CÂMBIO. AUSÊNCIA DE PROTESTO ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA DEMANDA. ART. 75, DA LEI 4.728/65. REQUISITO INDISPENSÁVEL À PROPOSITURA DA EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. INADMISSIBILIDADE DO PROTESTO POSTERIOR À CITAÇÃO DA PARTE EXECUTADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR – 13ª Câmara Cível – 0001353-93.2022.8.16.0063 – Carlópolis – Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU VICTOR MARTIM BATSCHKE – J. 31.03.2023)

EXECUÇÃO. CONTRATO DE CÂMBIO. EXECUTIVIDADE. NECESSIDADE DE PROTESTO. ART. 75, LEI 4.728/65. 1. O protesto do contrato de câmbio é exigido no art. 75 da Lei 4.728/65 (lei que disciplina o mercado de capitais) como condição para o manejo de ação executiva. […] (TJ-SP – AI: 22176614720188260000 SP 2217661-47.2018.8.26.0000, Relator: Melo Colombi, Data de Julgamento: 03/12/2018, 14ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/12/2018)

A exceção da jurisprudência acerca do tema é quando o Contrato de Câmbio é vinculado à Nota Promissória emitida como garantia. Nesse sentido, não realizando o protesto do título principal, o Credor pode ajuizar a Ação de Execução com base na Nota Promissória vinculada ao Contrato de Câmbio[1].

2.1. Destaques acerca do Protesto

Por fim, deve-se ressaltar que além de requisito indispensável para propositura da Ação de Execução, o protesto deve seguir a forma correta de instrumentalização.

Isso porque, ao realizar o protesto do Contrato de Câmbio, o Credor precisa tomar a precaução de realizar a intimação pessoal do Devedor acerca do ato. A intimação editalícia só é aceita pela jurisprudência nos casos em que o Devedor não foi encontrado.

Essa ressalva é de extrema importância, pois, mesmo que o protesto seja devidamente realizado, mas a intimação do Devedor se der de forma irregular, a formação do título não se concretiza.

Ou seja, a intimação irregular do Devedor acerca do protesto também retira a certeza, liquidez e exigibilidade do título, impedindo o ajuizamento da Ação de Execução ou ocasionando sua extinção, quando já em trâmite[2].

  1. Conclusão

Conclui-se então que a análise do tema aplicada aos Contratos de Câmbio pode ser realizada pelas duas partes da relação jurídica (Credor e Devedor).

Credor: O Credor deve estar atento acerca da formação do título, realizando o protesto do Contrato de Câmbio e a intimação de forma válida do Devedor, sob pena de impossibilidade de ajuizamento da Ação de Execução de Título Extrajudicial.

Devedor: O Devedor deve se ater exatamente à constituição do título. Caso a demanda judicial já tenha sido distribuída pelo Credor, deve observar se existe o protesto do Contrato de Câmbio e se sua intimação foi realmente válida. Constatado que existem vícios na formação do título, pode requerer ao Juízo a extinção da Ação de Execução.

[1] “[…] A falta de protesto dos contratos de câmbio veda a sua pronta execução, nada impedindo, todavia, que a ação executiva seja ajuizada com base em notas promissórias emitidas em garantia dos contratos e aos mesmos vinculadas, como no caso, por manterem as cambiais a natureza de títulos executivos extrajudiciais. Recurso especial não conhecido.” (STJ, REsp 237.544/RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma, julgado em 11/04/00, DJ 29/05/2000).

[2] Apelação cível. Execução de contratos de câmbio. Sentença que extingue a execução reconhecendo a nulidade do protesto realizado por edital suscitada em Exceção de Pré-executividade. Matéria de ordem pública passível de exame inclusive de ofício. Adequação da Exceção de Pré-executividade. Dilação probatória desnecessária. Protesto por edital. Inexistência de prova da prévia tentativa de intimação pessoal dos devedores. Ofensa ao art. 75, da Lei 4.728/1965. Contrato inexequível. Sentença mantida. Recurso conhecido e não provido. (TJPR – Apelação Cível n° 0000018-98.1995.8.16.0123 – Des. Hamilton Mussi Corrêa – Curitiba, 13 de dezembro de 2021-).

 

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