As vantagens e os desafios da utilização da Cédula Imobiliária Rural e do Patrimônio Rural em afetação como instrumentos facilitadores para o financiamento privado do agronegócio: explorando a eficiência e os impactos de tais títulos no setor agrícola
The advantages and challanges of using the Rural Real Estate Card and Rural Heritage in affect as instruments to improve the agribusiness’s private financing: exploring the efficiency and the impacts of such securities in the agricultural sector
Thiago Wilson da Luz Kailer[1]
Juliano Bührer Martins[2]
2024
RESUMO
Este artigo é uma análise da aplicabilidade dos novos títulos de crédito trazidos pela Lei nº 13.986/2020, em especial da Cédula Imobiliária Rural (CIR) e do Patrimônio Rural em Afetação (PRA), no âmbito das operações de crédito rural. Os objetivos deste trabalho são: (1) explorar as possibilidades de potencialização da estrutura de financiamento privado do agronegócio por meio da utilização da CIR e do PRA; (2) expor os impactos práticos da implementação dos referidos títulos nas operações financeiras de fomento à atividade agrícola; (3) apontar alguns obstáculos que dificultam a utilização em larga escala da CIR e do PRA pelos financiadores do agronegócio. Para tanto, utilizou-se o método dedutivo e as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, uma vez que obras doutrinárias, legislações e documentos jurisprudenciais foram consultados para compor a base teórica de todo o conteúdo abordado ao longo do texto. Após o estudo realizado, observou-se que a segurança jurídica e a liquidez das garantias proporcionadas pela CIR e pelo PRA podem ser o caminho para um ciclo lucrativo de investimentos, aumento de produtividade e fortalecimento do setor agroindustrial brasileiro.
Palavras-chave: Crédito rural; Cédula Imobiliária Rural (CIR); Patrimônio Rural em Afetação (PRA).
ABSTRACT
This article is an analysis of the applicability of new credit securities brought by the Law nº 13.986/2020, especially of the Rural Real Estate Card (RREC) and the Rural Heritage in Affect (RHA), within the scope of rural credit operations. This work aims to: (1) explore the possibilities to improve the structure of the agribusiness´s private financing by using the RREC and the RHA; (2) expose the practical impacts of implementing these securities in financial operations to support the agribusiness; (3) point some obstacles that makes the large-scale use of the RREC and the RHA difficult by the agribusiness’s financiers. Therefore, the deductive method was used, as well as the bibliographic and documental research techniques, since doctrinal works, legal texts and jurisprudential documents were used as the theoretical reference for every subject covered in this text. After the study, it was observed that the legal security and liquidity of the warranties provided by the RREC and the RHA may be the key to a profitable cycle of investments, productivity increase and to strengthen the Brazilian agroindustrial economy.
Keywords: Rural credit; Rural Real Estate Card (RREC); Rural Heritage in Affect (RHA).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO …………………………… 5
- BREVE HISTÓRICO DO FINANCIAMENTO DO AGRONEGÓCIO …………………………… 7
- A CÉDULA IMOBILIÁRIA RURAL (CIR) E O PATRIMÔNIO RURAL EM AFETAÇÃO (PRA) …………………………… 10
- CARACTERÍSTICAS FAVORÁVEIS DA CIR E DO PRA …………………………… 15
3.1. MAIOR ACESSO AO CRÉDITO …………………………… 15
3.2. SEPARAÇÃO DE ATIVOS …………………………… 16
3.3. NEGOCIAÇÃO NO MERCADO DE CAPITAIS …………………………… 17
3.4. MENORES CUSTOS E TAXAS DE FINANCIAMENTO AO AGRONEGÓCIO …………………………… 17
- DIFICULDADES NA UTILIZAÇÃO DA CIR E DO PRA …………………………… 18
4.1. VALIDAÇÃO DO INSTRUMENTO …………………………… 18
4.2. LIMITAÇÃO DOS IMÓVEIS PARA SEREM UTILIZADOS COMO GARANTIA …………………………… 19
4.3. FALSA INTENÇÃO DE RETOMADA DO IMÓVEL PELO FINANCIADOR …………………………… 20
CONSIDERAÇÕES FINAIS …………………………… 20
REFERÊNCIAS …………………………… 22
INTRODUÇÃO
O setor agrário, em sua acepção tradicional, ganhou espaço no Brasil a partir do século XVI, período em que o país se tornou uma colônia de Portugal. Com o passar dos séculos, a produção agrícola brasileira evoluiu da monocultura colonial de cana-de açúcar para o modelo agroindustrial a partir da década de 1960, através do intenso processo de modernização agropecuária que ficou conhecido como Revolução Verde. As inovações trazidas por este marco possibilitaram o emprego em larga escala de máquinas, fertilizantes, sementes selecionadas e medicamentos veterinários nas mais diversas etapas de cultivo e criação de animais, evidenciando uma nova forma de exploração da atividade agrícola, agora em moldes empresariais. É neste contexto que surge a agroindústria (BURANELLO, 2011).
O processo de industrialização agrícola no Brasil proporcionou um aumento exponencial da produção e dos lucros, redefinindo o cenário socioeconômico do meio rural. Como consequência, o setor agroindustrial passou a compreender uma vasta cadeia produtiva, composta por empresas fornecedoras de insumos, produtores rurais, empresas de processamento, distribuidores, armazéns, certificadores e operadores logísticos, com o objetivo de atender à crescente demanda por alimentos (BURANELLO, 2024).
Atualmente, o agronegócio é detentor de uma parcela significativa da economia brasileira. De acordo com um estudo conduzido em 2023 pelo Centro de Estudos Avançados sobre Economia Aplicada (CEPEA) da ESALQ/USP, o referido setor gera empregos para 28, 5 milhões de pessoas no Brasil e constitui quase 25% do PIB pátrio. De tal modo, é possível afirmar que o agronegócio exerce um papel fundamental para o andamento da economia nacional, pois contribui diretamente para a geração de empregos e para o superávit da balança comercial através de suas operações, as quais movimentaram 166 bilhões de dólares em 2023 (CEPEA, 2023).
Além das contribuições para a economia, é importante ressaltar que o agronegócio brasileiro é um fator indispensável para a garantia da segurança alimentar em nível global. De acordo com o relatório mais recente divulgado em 2022 pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), havia entre 2020 e 2022 cerca de 900 milhões de pessoas ao redor do mundo em situação de insegurança alimentar. Tal número, equivalente a 11,3% da população mundial, representa um grande desafio para o agronegócio, sendo necessário que este setor esteja em um processo constante de crescimento para atender à necessidade de alimentar uma população que tem crescido em ritmo acelerado nos últimos anos, atingindo a marca de 8 bilhões em 2022.
De tal modo, o financiamento do agronegócio se torna um pilar essencial para sustentar e expandir esta importante área, cujos desafios a serem enfrentados são constantes, a exemplo da volatilidade dos preços globais, variações climáticas e a necessidade de inovações tecnológicas.
Neste cenário, observa-se que a Lei nº 13.986, de 7 de abril de 2020, conhecida popularmente como a Nova Lei do Agro, trouxe novos instrumentos de fomento que são essenciais para impulsionar as relações comerciais agrícolas, oferecendo soluções de financiamento adaptadas às necessidades únicas do referido setor. Portanto, o Patrimônio Rural em Afetação (PRA) e a Cédula Imobiliária Rural (CIR), ambos concebidos pela lei acima mencionada, surgiram com o objetivo de diminuir o risco para os credores e ampliar a disponibilidade de crédito para os produtores rurais.
Observa-se, no entanto, que a adoção dos instrumentos supracitados ainda é incipiente no mercado. Portanto, busca-se, neste artigo, explorar as possibilidades de potencialização da estrutura de financiamento do agronegócio por meio da utilização estratégica da CIR e do PRA, expor os impactos práticos da implementação dos referidos títulos nas operações financeiras de fomento à atividade agrícola, bem como apontar alguns obstáculos que ainda dificultam a utilização em larga escala da CIR e do PRA pelos financiadores do agronegócio. A partir do estudo realizado, serão traçadas algumas considerações sobre como a utilização adequada dos novos títulos de crédito trazidos pela Lei do Agro pode ser o caminho para um ciclo lucrativo de investimentos, aumento de produtividade e fortalecimento do setor agroindustrial brasileiro.
Assim, espera-se que a exploração desses temas contribua para o debate acadêmico e prático sobre o financiamento do agronegócio no Brasil, através do fornecimento de insights importantes para legisladores, financiadores, produtores rurais e para os demais stakeholders.
- BREVE HISTÓRICO DO FINANCIAMENTO DO AGRONEGÓCIO
Desde o período colonial, a agricultura tem exercido um papel de destaque na economia brasileira. Houve, ao longo da história, grandes ciclos econômicos no Brasil, a exemplo da cana-de-açúcar, do algodão, do café e, recentemente, da soja. Durante esta trajetória, o mecanismo de financiamento da atividade rural sofreu uma série de transformações (CASTRO, 2017).
Inicialmente, havia um modelo de financiamento direto, realizado de forma quase exclusiva pelo Estado. Em 1931, no primeiro governo de Getúlio Vargas, enquanto a principal atividade econômica do Brasil era produção de café, surgiu o primeiro mecanismo oficial de financiamento rural do país, a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial (CREAI) (REIS, 2023).
Nas décadas seguintes (1940-50), em decorrência do crescente processo de industrialização da economia brasileira, pouca importância foi atribuída ao setor rural por parte do Estado. Durante este período, não houve incentivos para a criação de instrumentos de intervenção e fomento mais efetivos para a produção agrícola. Como consequência, a referida atividade experimentou uma redução de 15% sobre a participação na renda interna do Brasil (REIS, 2023).
Com a promulgação da Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965, foi criado o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR). O objetivo, conforme aponta o Banco do Brasil, em parceria com a Diretoria de Agronegócios (2004) era
- a) estimular o incremento dos ordenado dos investimentos rurais, inclusive em armazenamento beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários, quando efetuados por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural; b) Favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização dos produtos agropecuários; c) Possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores, notadamente considerados ou classificados como pequenos e médios; d) Incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando o aumento da produtividade e a melhoria do padrão de vida das populações rurais e à adequada defesa do solo (DO BRASIL; DE AGRONEGÓCIOS, 2004).
Tal sistema foi o principal agente de fomento subsidiado pelo Estado ao processo de modernização da agricultura brasileira, cumprindo um papel determinante no aumento da produtividade, na consolidação dos complexos agroindustriais e na integração dos capitais agrários (DELGADO, 1985, 2012).
Em 1967, o Crédito Rural foi instrumentalizado por meio do Decreto-lei 167, de 14 de fevereiro de 1967, que criou a Cédula de Crédito Rural, a Duplicata Rural e a Nota Promissória Rural. Tais instrumentos se tornaram ferramentas valiosas para o financiamento da atividade agrícola no Brasil (REIS, 2023).
Na década de 1970, o uso do crédito subsidiado pelo Estado cresceu de forma acelerada em razão de suas baixas taxas de juros, alcançando 90% do produto interno da agricultura em 1976. Contudo, os maiores beneficiados pelo programa de crédito subsidiado foram os grandes e médios produtores, em razão da sua maior capacidade de pagamento. Os pequenos produtores rurais, com menor poder aquisitivo, ficaram à margem do referido programa (REIS, 2023).
Em meados da década de 1980, marcada pelo agravamento da inflação e por crises fiscais, houve o entendimento de que uma das causas do processo inflacionário seria os subsídios ao crédito rural e a emissão de moeda necessária para sustentar todo esse sistema produtivo. Como consequência, houve um realinhamento das políticas de oferta de crédito rural. O governo passou a reduzir a sua participação direta na concessão dos financiamentos, retirando gradativamente os subsídios das taxas de crédito rural e transferindo às empresas a responsabilidade pelo fomento da cadeia produtiva agrícola. Este processo evidenciou a transição de um modelo de financiamento baseado em incentivos estatais para um financiamento privado da agricultura (CASTRO, 2017).
Neste cenário, surgiram mecanismos de crédito privado para alavancar a atividade agrícola, bem como para instrumentalizar as operações de crédito à agricultura. Dentre os referidos mecanismos, Marcus Reis (2023) destaca três: o “Contrato de Troca” (início dos anos 1980), que consolidou a troca de insumos e serviços por produtos agrícolas a serem entregues durante a colheita; o “Contrato Soja Verde” (1988), de venda antecipada da produção a preço fixo realizada pelo produtor, para recebimento futuro da produção; e o Certificado de Mercadoria com Emissão Garantida (1992), sendo este último um título mercantil de compra e venda para entrega física futura garantida.
Em 1994, o Banco do Brasil criou a Cédula de Produto Rural (CPR), em resposta às buscas de novas fontes de financiamento pelo mercado agroindustrial. Em meados dos anos 2000, surgiram os Novos Títulos do Agronegócio, o Certificado de Depósito Agropecuário (CDA), o Warrant Agropecuário (WA), o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e o Certificado de Recebíveis Agropecuários (CRA).
Finalmente, em 2020, através da Lei nº 13.986/2020, foram criados o Fundo Garantidor Solidário, a Cédula Imobiliária Rural (CIR) e o Patrimônio Rural de Afetação (PRA), objeto da presente pesquisa.
De tal forma, observa-se que o financiamento do agronegócio no Brasil evoluiu para um sistema mais diversificado e sofisticado, marcado pela introdução de instrumentos financeiros que revolucionaram o fomento ao setor rural. Tal processo evolutivo reflete a crescente complexidade e escala do agronegócio brasileiro, bem como a necessidade de métodos de financiamento que possam acomodar ciclos de produção variáveis e investimentos de longo prazo em tecnologia e infraestrutura.
Entender na prática como o mercado e os operadores do direito irão se utilizar dos instrumentos trazidos pela Lei nº 13.986/20 e como a jurisprudência irá se posicionar em relação à aplicabilidade e às possíveis divergências que serão trazidas ao Judiciário são os fatores que permitirão observar a verdadeira eficácia desses novos instrumentos jurídicos no cenário do agronegócio brasileiro. À medida que essas ferramentas se consolidam e passam a ser amplamente exigidas, será possível compreender a capacidade da CIR e do PRA de proporcionar segurança jurídica e financeira aos agentes envolvidos, desde os pequenos produtores rurais até os grandes conglomerados agrícolas.
Este é um novo capítulo na história do financiamento agrícola no Brasil, que se desenvolve na prática diária de produtores, financiadores e operadores do Direito, cujos resultados poderão servir de modelo para futuras reformulações legislativas e práticas de mercado. A continuidade desta pesquisa e o acompanhamento das tendências que surgirão são essenciais para uma compreensão completa do impacto e do sucesso dessas mudanças legislativas no desenvolvimento sustentável e econômico do agronegócio nacional.
- A CÉDULA IMOBILIÁRIA RURAL (CIR) E O PATRIMÔNIO RURAL EM AFETAÇÃO (PRA)
A Lei nº 13.986/2020 (Lei do Agro) foi concebida para fomentar o mercado de crédito rural. O que se buscou, entre outros objetivos, foi o aumento da oferta de crédito privado, inclusive estrangeiro, em detrimento de subsídios estatais. Para que isso ocorresse, seria fundamental aumentar a segurança jurídica das operações, com a criação de garantias menos burocráticas e mais robustas. É neste cenário que surge o patrimônio rural em afetação (PRA) (REIS, 2023).
Renato Buranello (2024), entende que o PRA é uma ferramenta que permite ao produtor rural, pessoa física ou jurídica, submeter a totalidade ou parte do seu imóvel, incluindo as acessões e as benfeitorias nele fixadas, à garantia do cumprimento de uma operação de crédito.
Para Marcus Reis (2023), o patrimônio rural em afetação é um direito real de garantia que incide sobre a totalidade ou sobre parte de um imóvel rural, constituído como garantia acessória a um débito contraído pela emissão de uma CIR ou de uma CPR.
Arnaldo Rizzardo (2018) define a afetação como o ato de prender ou ligar um patrimônio a um empreendimento, a uma obrigação ou a um compromisso, não se liberando enquanto perdurar a relação criada entre aquele que se obriga e os credores da obrigação. Tal ato, para o autor, não transfere o bem do patrimônio do proprietário a outrem, mas apenas o mantém apartado para que não se comunique com o restante do patrimônio.
Lucas Vieira, Pablo Mourão e Alexandre Manica (2020) conceituam o patrimônio rural em afetação como uma segregação de bens para efeitos de garantia, cujo objetivo é a redução de custos operacionais e melhorar a qualidade das garantias ofertadas pelos produtores rurais.
Através da leitura combinada dos conceitos trazidos pelos autores acima mencionados, é possível definir o patrimônio rural em afetação como um direito real de garantia no qual há o destacamento de um bem imóvel do patrimônio geral do seu titular, vinculando-o à garantia do financiamento da produção rural por meio da emissão de CIR ou CPR.
Enquanto perdurar a referida relação obrigacional entre as partes, mantém-se a segregação patrimonial, de modo que os imóveis destacados não se comuniquem com “os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do proprietário ou de outros patrimônios rurais em afetação por ele constituídos” (BRASIL, 2020).
De tal modo, o elemento central do regime especial de afetação é a incomunicabilidade dos bens afetados. Caio Maria da Silva Pereira (2016), neste sentido, afirma:
A teoria da afetação, como se sabe, atende à necessidade de privilegiar determinadas situações merecedoras de tutela especial; para tal, admite-se a segregação, dentro de um mesmo patrimônio, de determinados bens ou núcleos patrimoniais que, identificados por sua procedência ou destinação, são encapsulados, no patrimônio geral do titular para que fiquem excluídos dos riscos de constrição por dívidas ou obrigações estranhas à sua destinação, como são os casos dos bens objeto de fideicomisso, o bem de família (Código Civil, art. 1.711 e segs.), o imóvel moradia da família (Lei n. 8.008/1990), entre outros (PEREIRA, 2016, p. 259)
Isto posto, é indispensável que os bens afetados sejam afastados dos efeitos de negócios jurídicos alheios à relação obrigacional que é objeto da afetação. O PRA, à vista disto, não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do seu proprietário, instituindo um patrimônio separado, com dívidas próprias, no qual se localizam as obrigações e as responsabilidades a que dá origem e não sofre efeitos de relações jurídicas alheias à que está atrelado. Como consequência, nas mãos do titular há o patrimônio geral e o patrimônio afetado, com obrigações e direitos próprios. O patrimônio do proprietário se mantém único, mas se divide em esferas jurídicas distintas, de modo a preservar a incomunicabilidade da parte em afetação (BURANELLO, 2024). Importante frisar que a referida incomunicabilidade só passa a existir e produzir efeitos após a vinculação dos bens imóveis a uma CPR ou CIR.
Após os bens da garantia terem sido vinculados a uma cédula, não poderão ser utilizados para garantir outras obrigações. Vale ressaltar também que o imóvel rural afetado não pode ser objeto de doação, compra e venda, parcelamento ou qualquer outro ato de alienação e transmissão de propriedade. (MANICA, MOURÃO, VIEIRA, 2020). Nesta linha, dispõe o art. 8º da Lei nº 13.986/2020:
Art. 8º Fica vedada a constituição de patrimônio rural de afetação incidente sobre: I – o imóvel já gravado por hipoteca, por alienação fiduciária de coisa imóvel ou por outro ônus real, ou, ainda, que tenha registrada ou averbada em sua matrícula qualquer uma das informações de que trata o art. 54 da Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015; II – a pequena propriedade rural de que trata a alínea “a” do inciso II do caput do art. 4º da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993; III – a área de tamanho inferior ao módulo rural ou à fração mínima de parcelamento, o que for menor, nos termos do art. 8º da Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972; ou IV – o bem de família de que trata a lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), exceto na situação prevista no § 2º do art. 4º da Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990 (BRASIL, 2020).
Quanto ao bem de família, observa-se que este “já se caracteriza uma espécie de afetação patrimonial, sendo assim, não cabe nova afetação no mesmo patrimônio” (POLETTI, 2021, p.41).
Em decorrência dos fatos acima expostos, é possível afirmar que o patrimônio rural em afetação chegou para impulsionar o financiamento privado do agronegócio. Sua constituição simplificada e de baixo custo operacional pode ampliar o acesso a recursos financeiros por parte dos proprietários de imóveis rurais, podendo inclusive melhorar as condições de negociação com os concedentes de crédito, haja vista que estes passam a ter mais segurança para contratar em virtude de que possuem, na hipótese de inadimplência do produtor rural, autorização imediata, sem concorrência de credores, para se apropriar do imóvel afetado para posterior liquidação (MANICA, MOURÃO, VIEIRA, 2020).
Para facilitar a aplicação dessa garantia, a Lei n° 13.986/2020 trouxe em seu bojo a chamada Cédula Imobiliária Rural (CIR).
Marcus Reis (2023) define a CIR como um novo título de crédito nominativo, transferível e de livre negociação, que representa a promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de qualquer modalidade e entrega de imóvel rural atrelado ao patrimônio em afetação do emitente.
Para Lucas Vieira, Pablo Mourão e Alexandre Manica (2020), a cédula imobiliária rural é o título de crédito emitido por proprietário de imóvel rural que tenha instituído patrimônio rural em afetação. De acordo com os autores, o referido título abrange uma obrigação de entregar, em favor do credor, bem imóvel ou fração deste que integre o PRA correspondente à operação de crédito realizada, na hipótese de inadimplemento desta.
Entre as principais características da CIR, Marcus Reis (2023) destaca:
- a) Fornecer ao mercado instrumento de financiamento padronizado, simples e de credibilidade a todos os setores da cadeia produtiva agropecuária; b) Induzir agilidade, transparência, desburocratização, segurança e uniformidade à concessão de financiamentos; c) Fracionar imóveis rurais em garantia, possibilitando ao produtor rural a personalização estratégica de suas necessidades de financiamento por meio de patrimônio rural em afetação; d) Permitir, quando em cobrança, ação de execução por via preferencial; e) Ser meio eficaz e aberto de financiamento e capital de giro ao produtor rural em qualquer época do ano; f) Gerar e circular riqueza mesmo antes do plantio dos produtos (REIS, 2023, p. 350).
Ou seja, a principal função da CIR é proporcionar acesso ao produtor rural a recursos de mercado menos custosos, ofertando, em contrapartida, garantias imobiliárias flexíveis e individualizadas às necessidades dos proprietários rurais, bem como assegurar ao mercado um título de crédito simples, transparente e desburocratizado para o financiamento da atividade agrícola.
Os legitimados para a emissão da cédula imobiliária rural, de acordo com o art. 18 da Lei nº 13.986/2020, são pessoas físicas e jurídicas proprietárias de imóvel rural e que tenham constituído patrimônio rural em afetação. O exercício de atividade agropecuária é dispensável para se valer do referido título de crédito. O pressuposto legal, portanto, é a propriedade sobre bens imóveis rurais.
Em conjunto com o patrimônio em afetação, a CIR possibilita ao emitente apartar o seu imóvel, ou fração dele, para fins de garantia real de operação de crédito, mas o seu uso pelo tomador é preservado, com a ressalva de que o direito de usar deve ser exercido em conformidade com a sua destinação econômica (MANICA, MOURÃO, VIEIRA, 2020).
De tal modo, conforme dispõe o art. 17, II da Lei nº 13.986/2020, o emitente da CIR, enquanto devedor financiado, assumirá a obrigação de entregar ao credor o imóvel rural ou fração dele, vinculado ao PRA, quando não houver o pagamento da operação até a data do vencimento do título.
Vale reforçar, conforme dito anteriormente, que a CIR é obrigatoriamente garantida, sob pena de ineficácia do ato, por parte ou por todo o patrimônio em afetação previamente constituído pelo proprietário do imóvel rural (REIS, 2023). A cédula imobiliária rural pode ainda ser garantida por terceiros, inclusive por instituições financeiras ou seguradoras, conforme o art. 20 da Lei do Agro.
Essa nova abordagem legislativa trouxe uma clara diferenciação em relação às modalidades anteriores de garantias e de financiamento agrícola. Antes da Lei nº 13.986/2020, os instrumentos garantidores comumente usados eram a hipoteca e a alienação fiduciária. Esta última, tendo em vista que opera somente sobre a totalidade do bem, muitas vezes envolve uma burocracia que pode desencorajar investimentos e afetar a liquidez necessária para o ciclo de produção agrícola. Com a implementação do Patrimônio Rural em Afetação e da Cédula Imobiliária Rural, instituiu-se uma especificidade na garantia que confere mais segurança para os credores e mais flexibilidade para os devedores, haja vista que a segregação e a individualização das garantias tendem a facilitar o gerenciamento de riscos e melhorar a transparência das operações, o que é crucial para um setor tão suscetível às flutuações de mercado e às condições climáticas adversas.
Tais mudanças são vitais, pois oferecem uma solução personalizada para as necessidades financeiras específicas do agronegócio, permitindo ao produtor rural oferecer em garantia apenas parte dos seus bens e não a sua totalidade, facilitando a obtenção de recursos para o financiamento das suas atividades.
A prática, portanto, há de testar a eficácia dessas inovações. A expectativa é de que a aplicabilidade das novas ferramentas trazidas pela Lei nº 13.986/2020 proporcionem mais agilidade para a concessão de crédito e reduzam os custos operacionais, contribuindo para um aumento significativo na capacidade de investimento dos produtores rurais. Sendo assim, o mercado financeiro e os operadores do direito agora observam com atenção as perspectivas de adoção desses mecanismos e os seus resultados práticos. Somente o tempo dirá se a nova legislação atenderá plenamente às exigências de um setor tão dinâmico e vital para a economia como é o agronegócio brasileiro.
- CARACTERÍSTICAS FAVORÁVEIS DA CIR E DO PRA
3.1. MAIOR ACESSO AO CRÉDITO
Por muitos anos, o agronegócio lastreou as garantias através de penhor de safra ou maquinário e da garantia hipotecária da propriedade rural. Quando o valor do bem hipotecado superava significativamente o crédito tomado, permitia-se que os produtores rurais tomassem mais crédito oferecendo graus de hipoteca subsequentes aos credores preferenciais. O problema prático desta cadeia era que nem todos os financiadores do agro se sentiam confortáveis com hipoteca de segundo grau ou mais, em razão da preferência subsidiária ao credor preferencial. Como consequência, o produtor rural buscava outras linhas de crédito apenas com o mesmo tomador do financiamento que já estava gravada a hipoteca de primeiro grau.
Com o passar do tempo, em razão do aumento das recuperações judiciais, alguns tomadores passaram a financiar os produtores com alienação fiduciária do bem utilizado pelo produtor para produzir. Todavia, é importante destacar que a alienação fiduciária é um instituto que tem as suas peculiaridades e dificuldades quando o bem tem valor superior ao empréstimo tomado, seja pelo credor que não vê liquidez após a consolidação da propriedade, seja por parte do produtor rural que estaria empenhando sua propriedade a um único financiador, quando poderia pensar em tomar mais crédito frente a condição da sua garantia ofertada.
Com o advento da Cédula Imobiliária Rural lastreada no Patrimônio Rural em Afetação, surgiu a possibilidade de o produtor destacar uma fração do seu imóvel e vinculá-la ao cumprimento da obrigação com o financiador. Como consequência, torna-se possível fracionar um bem em diversas partes para tomar crédito com outros players do agronegócio, diversificando as oportunidades de tomada de crédito para o produtor rural. Espera-se, portanto, que a oferta de crédito seja ampliada em larga escala através da utilização da CIR e do PRA.
3.2. SEPARAÇÃO DE ATIVOS
A CIR permite a afetação de ativos específicos da propriedade rural como garantia, sem necessidade de hipotecar todo o imóvel ou aliená-lo em sua integralidade para o mesmo financiador. Esta alternativa produz efeito na concessão do crédito quando o financiador tem a possibilidade de limitar a sua área em garantia sem concorrência com terceiros, além de poder receber o imóvel em alienação fiduciária com todos os benefícios dos créditos extraconcursais.
Em um cenário de aumento significativo do ajuizamento de ações de recuperação de crédito, essa alternativa pode dar segurança para o financiador tanto por ser um crédito extraconcursal, quanto para inibir que seja dado em alienação fiduciária um imóvel que facilmente seria enquadrado, em sede de ação de recuperação judicial, como essencial para a continuidade da atividade da empresa.
Um exemplo simples é o financiador que recebe em alienação fiduciária pelo patrimônio rural em afetação 10% de uma área total em uma região no Mato Grosso, onde há diversas áreas de alto valor econômico para garantir uma operação de financiamento. Na hipótese de recuperação judicial do produtor rural, essa área seria destacada e a dívida seria extraconcursal, assim como dificilmente o produtor rural conseguiria comprovar que a referida parte ideal é essencial para a continuidade de suas atividades.
Sendo assim, a utilização do patrimônio rural em afetação é interessante tanto para o financiador como para o produtor rural que entrega o bem em garantia de dívida, mostrando-se mais uma vez como um instrumento favorável para o financiamento do agronegócio.
3.3. NEGOCIAÇÃO NO MERCADO DE CAPITAIS
Ao contrário do que ocorria nos contratos tradicionais em que havia ausência de segurança para o mercado de capitais em razão dos instrumentos de financiamento, a Lei do Agro está intimamente ligada a possibilidade de financiamento privado através do mercado financeiro.
A Cédula Imobiliária Rural (CIR) é um instrumento financeiro que pode ser negociada no mercado de capitais para captação de recursos, melhorando a liquidez das garantias e a captação de investimentos para o agronegócio. Os produtores rurais ou empresas agroindustriais podem emitir uma CIR e negociá-la diretamente com investidores ou por meio de instituições financeiras nos valores mobiliários. Isso proporciona aos emissores acesso a uma fonte de capital alternativa aos empréstimos bancários tradicionais. Também é possível que uma empresa do setor use a CIR para lastrear a emissão de títulos securitizados, como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), que são vendidos a investidores. Os recursos obtidos com a venda dos CRIs financiam as atividades agrícolas e são pagos de volta aos investidores com juros, formando a cadeia tradicional do mercado.
Em síntese, a Lei do Agro busca proporcionar, através da CIR e do PRA, mais segurança jurídica e clareza ao financiador, sendo uma alternativa promissora para o financiamento do agronegócio por investidores privados no mercado de capitais.
3.4. MENORES CUSTOS E TAXAS DE FINANCIAMENTO AO AGRONEGÓCIO
O uso da CIR, lastreada no Patrimônio Rural em Afetação, aumenta a liquidez da propriedade do produtor rural. Ao ofertar parte de sua área em garantia, o produtor poderá destacar outras frações do seu imóvel para tomar crédito com outros financiadores, não ficando refém do mesmo agente, nem mesmo tendo a onerosidade trazida pelos riscos que o financiador com uma hipoteca de segundo grau ou mais estará sujeito.
De tal modo, a CIR e o PRA proporcionam isolamento de risco com a segregação de ativos que garante que outros bens do produtor rural não sejam afetados em caso de execução da garantia. Através dos referidos instrumentos, é possível criar garantias mais especializadas e ajustadas ao tamanho e ao tipo de financiamento requerido, uma vez que cada operação de crédito está vinculada a ativos específicos.
Esse conjunto de fatores tende a favorecer o aumento da disponibilidade de crédito a menores custos, vez que a liquidez das garantias prestadas pela CIR, através do Patrimônio Rural em Afetação, torna as operações de fomento ao agronegócio mais transparentes e seguras para os financiadores. Espera-se, portanto, que através do uso dos instrumentos acima mencionados, os produtores rurais tenham acesso a taxas de juros mais baixas, facilitando o desenvolvimento das suas atividades e de todo o setor agrícola.
- DIFICULDADES NA UTILIZAÇÃO DA CIR E DO PRA
4.1. VALIDAÇÃO DO INSTRUMENTO
Apesar da Lei do Agro já estar em vigor, a utilização do Patrimônio Rural em Afetação e da Cédula Imobiliária Rural ainda é incipiente. A questão é que os grandes players que financiam o agronegócio tendem a buscar instrumentos já validados pelo mercado, pelo Judiciário e pelo enfrentamento de crises de inadimplemento para efetuar as suas operações.
A prática utilizada pelos financiadores ainda está concentrada nos instrumentos tradicionais – penhor, hipoteca e alienação fiduciária, quando possível. Este último tem ganhado espaço em meio à indústria das ações de recuperação judicial, mas ainda enfrenta o desafio de que a terra ofertada em alienação fiduciária é frequentemente considerada essencial para a continuação das atividades do produtor rural e continua suscetível aos efeitos da recuperação judicial.
Há também a questão da jurisprudência. Nesta linha, o Judiciário tem sido o principal obstáculo, pois pouco entende sobre o tema e vem se mostrando cada vez mais distante da realidade das práticas comerciais que permeiam o agronegócio. Este cenário gera incertezas e inseguranças para a validação da CIR e do PRA no mercado.
Portanto, há um desconhecimento dos operadores do direito em relação aos institutos acima mencionados. O amadurecimento, a divulgação e o trabalho de profissionais que conhecem do assunto são indispensáveis para superar essa barreira.
4.2. LIMITAÇÃO DOS IMÓVEIS PARA SEREM UTILIZADOS COMO GARANTIA
Um dos principais benefícios trazidos pela CIR e pelo PRA é a possibilidade de definir uma área específica dentro da propriedade rural como patrimônio afetado. Para que seja possível realizar tal limitação, uma das exigências da lei é a definição das coordenadas dentro do imóvel georreferenciado. Todavia, poucos imóveis já possuem essas características. Apesar de a lei exigir, a regulamentação geralmente ocorre quando há a necessidade de desmembramento ou venda do imóvel em razão da exigência do Cartório de Registro de Imóveis.
Outro ponto que merece destaque é a vedação da constituição de patrimônio rural em afetação para imóveis que se enquadram no conceito de pequena propriedade rural disposto no art. 4º, II, a, da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Neste contexto, observa-se que em regiões como o Rio Grande do Sul, muitas glebas de áreas rurais não ultrapassam os quatro módulos rurais determinados pela referida lei, que caracterizam um imóvel como pequena propriedade. De tal modo, grande parte dos produtores locais não podem se valer do referido instituto.
Tal discussão já foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal através do Agravo em Recurso Especial nº 1.038.507, com repercussão geral reconhecida (Tema 961). Neste julgado, o STF afastou a hipoteca de pequena propriedade rural quando explorada pelo núcleo familiar, determinando que a comprovação de que o imóvel é constituído por áreas contínuas que não ultrapassam o limite de quatro módulos fiscais estabelecidos pela Lei nº 8.629/1993 é suficiente para afastar a garantia hipotecária sobre o bem.
Portanto, resta claro que a utilização da CIR e do PRA não é eficaz em relação aos pequenos produtores. Há, entretanto, a ressalva de que muitos produtores não são tão pequenos e poderiam se valer do instituto em razão da sua capacidade de produção e de pagamento. Contudo, através da simples leitura da Nova Lei do Agro, não resta dúvidas de que os instrumentos acima mencionados são institutos direcionados para a oferta de crédito ao médio e grande produtor rural.
4.3. FALSA INTENÇÃO DE RETOMADA DO IMÓVEL PELO FINANCIADOR
Atualmente, a utilização da alienação fiduciária vem ganhando espaço nas operações de crédito rural. Contudo, grande parte dos financiamentos são realizados por Instituições Financeiras, as quais possuem vocação para emprestar dinheiro a juros, mas não são eficientes para gerir imóveis retomados em garantia fiduciária com leilão negativo.
De tal modo, observa-se que a alienação fiduciária é cabível aos players que estão diretamente inseridos no agronegócio, como as Cooperativas Agroindustriais. Tais grupos possuem uma estrutura sistematizada para administrar bens imóveis retomados, a qual serve muitas vezes para financiar outro produtor para a compra do imóvel em leilão, observados os ditames legais. Portanto, os financiadores tendem a analisar qual é a vantagem econômica para além da capacidade de recuperação do crédito, do custo de concessão e recuperação.
Neste cenário, em relação à CIR e ao PRA, a pergunta que se faz é qual seria a liquidez de imóveis retomados em alienação fiduciária, principalmente se fracionados. Certo é que será necessário zelo na formação da garantia no momento da concessão do crédito, com profissionais aptos para analisar se o imóvel em questão tem vocação para integrar os institutos estudados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da Cédula Imobiliária Rural (CIR) e do Patrimônio Rural em Afetação (PRA) como mecanismos inovadores para o financiamento do agronegócio brasileiro destaca a eficiência e o impacto positivo destas ferramentas no setor agrícola. A possibilidade de destacar uma fração das propriedades rurais para vinculá-las à garantia de uma operação de crédito proporciona mais flexibilidade e segurança jurídica ao financiamento do agronegócio, o que é imprescindível para atrair mais investimentos e diversificar as fontes de crédito disponíveis aos produtores rurais.
Os benefícios observados, como o aumento do acesso ao crédito e a redução dos custos de financiamento, indicam que a CIR e o PRA podem efetivamente melhorar a estrutura privada de financiamento do agronegócio. A adoção desses mecanismos proporciona uma maior previsibilidade e confiança nas transações financeiras, fundamentais para sustentar o desenvolvimento contínuo e a estabilidade econômica do setor agrícola. No entanto, apesar dos avanços, permanecem os desafios relacionados à implementação prática e à aceitação generalizada desses instrumentos no mercado. É essencial que haja um esforço contínuo para promover o entendimento e a utilização da CIR e do PRA entre os produtores rurais e, principalmente, entre os players de financiamento. São eles, na grande maioria, os elaboradores dos instrumentos que fomentam o agronegócio. O fortalecimento da segurança jurídica e a simplificação dos processos são passos cruciais para ampliar a eficácia dessas ferramentas.
Para que os institutos da Cédula Imobiliária Rural (CIR) e do Patrimônio Rural em Afetação (PRA) alcancem sua eficácia plena no Brasil, em um país conhecido por seu alto índice de litigiosidade, é crucial que o Judiciário compreenda e respeite a intenção do legislador ao criar esses mecanismos. A segurança jurídica, frequentemente ameaçada pelas divergências dos tribunais em relação à aplicação da hipoteca tradicional e pelo aumento das recuperações judiciais — muitas das quais não visam genuinamente a recuperação da capacidade produtiva, mas a elisão de obrigações com credores —, é fundamental para incentivar os financiadores a adotarem de forma ampla a CIR e o PRA. Além disso, a falta de familiaridade do Judiciário com as especificidades do agronegócio constitui uma barreira adicional. Superar esses desafios e garantir que os princípios legislativos sejam mantidos nas decisões judiciais é essencial para a efetiva implementação e uso desses instrumentos no financiamento agrícola.
Feitas as ressalvas, cabe destacar que este trabalho ressalta a importância de uma legislação adaptativa e de políticas que incentivem inovações financeiras compatíveis com as necessidades dinâmicas do agronegócio. A continuação da pesquisa e a observação atenta das tendências e resultados práticos destes mecanismos serão vitais para garantir que as transformações no financiamento do agronegócio não apenas acompanhem o crescimento do setor, mas também contribuam para um futuro mais sustentável e produtivo.
Assim, é possível afirmar que a Cédula Imobiliária Rural e o Patrimônio Rural em Afetação representam avanços significativos para o financiamento do agronegócio, com potencial para transformar positivamente o panorama do crédito agrícola no Brasil. Contudo, é necessário tempo para amadurecimento dos referidos institutos, como também das qualificações das áreas que poderão ser destinadas ao patrimônio rural em afetação.
Recomenda-se, portanto, a continuidade do desenvolvimento desses instrumentos, assegurando que sua aplicação prática alcance o potencial pleno, beneficiando todos os stakeholders do setor agrário, em destaque para o produtor rural.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm.
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[1] Advogado. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUC-PR. Especialista em Conflito Societário – INSPER. Pós-graduando em MBA Executivo Business Law pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RIO. Especialista em Direito do Agronegócio – INSPER. Pós-graduado em LLM em direito do mercado financeiro e de capitais – INSPER. Integrante da Comissão de Direito Empresarial (2020) e da Comissão de Direito do Agrário e do Agronegócio (2019-2021) da Seccional do Paraná. ORCID nº 0009-0005-8625-0821.
[2] Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR). ORCID nº 0009-0008-1765-3223.